17 de novembro de 2025
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Antonio Gomide – Agroflorestar: a Arte de plantar Abundância

No cenário atual, onde as questões ambientais ganham cada vez mais relevância, a agrofloresta se destaca como uma prática sustentável que integra a agricultura com a preservação da floresta. Essa abordagem inovadora transformou a vida de Antônio Gomides, agroflorestor, que vem dedicando sua vida ao desenvolvimento e ao ensino de sistemas agroflorestais como instrutor de cursos de formação em plantios de agrofloresta e manejo de podas avançadas. Sua trajetória é fortemente influenciada pela cultura popular e pelos ensinamentos do renomado cientista e agricultor Ernst Gotsch.


RS – Você pode nos contar um pouco sobre suas origens e como elas influenciaram sua trajetória?
AG – Eu nasci em uma companhia de teatro mambembe, viajando por todo o país. Meus pais, ambos artistas, criaram seus filhos através da linguagem da cultura popular. Meus avós, tanto por parte de mãe, no Rio Grande do Norte, quanto por parte de pai, em Goiás, eram agricultores. Eles criaram suas famílias trabalhando na roça, produzindo alimentos de forma sustentável para a subsistência. Viajando com a Cia Carroça de Mamulengo, minha família e eu pudemos ter contato com diversas manifestações culturais e mestres da cultura popular em várias regiões do Brasil. Convivi com agricultores e comunidades que, mesmo produzindo em relativa fartura,
encontravam nas colheitas motivos para celebrações religiosas e festividades populares.

RS – Como essas experiências moldaram sua visão sobre cultura e agricultura?
AG – Essas vivências mudaram e continuam mudando minha trajetória através da linguagem popular. As manifestações culturais que ainda vemos nas comunidades são expressões de enredo, união e propósito. Elas estão profundamente ligadas ao cultivo de alimentos. Contudo, quando essas manifestações são absorvidas pelas cidades, ocorre um processo de marginalização das pessoas e, consequentemente, da sua cultura. Isso afeta as razões para festejar e celebrar, levando a um rápido decaimento da nossa cultura, seja nas danças, nas tradições ou na própria alimentação e relações humanas.


RS – Você mencionou a agrofloresta como uma solução. Pode nos explicar o que ela representa para você?
AG – A agrofloresta é uma poderosa ferramenta para a transformação do nosso país, pois ela apoia as manifestações populares ao fortalecer a agricultura e promover a abundância. A cultura popular brasileira, representada por manifestações como o reisado, cavalo-marinho, mamulengo entre outras, tem sua inspiração na natureza. O canto de um pássaro, a sombra de uma árvore, o som de um sapo na lagoa — tudo isso inspira as canções, os personagens e as relações humanas. Compreendendo meu papel como artista, encontrei na agrofloresta uma maneira de continuar exercendo minha função cultural, conectando-a às raízes profundas da nossa cultura através de uma nova agricultura, uma agricultura de abundância.


RS – Quais foram os principais desafios que você enfrentou ao se dedicar à agrofloresta?
AG – O maior desafio foi encontrar tempo e recursos para sair do meio artístico e me dedicar ao aprendizado da agrooresta. Aprender verdadeiramente um saber exige vivência e prática. Assim como na arte, eu aprendi na convivência com mestres e agricultores florestais. Comecei a ministrar formações e a transmitir o conhecimento que adquiri ao longo da minha jornada. No início, foi difícil, mas com o tempo, fui capaz de consolidar essa nova fase da minha vida, integrando arte e agrofloresta.


RS – Como você vê o impacto da monocultura em comparação com o sistema agroflorestal?
AG – A monocultura tem um impacto devastador nas áreas onde é praticada. Ela degrada o solo, empobrece as comunidades e marginaliza a sociedade. Ao contrário, o
sistema agroflorestal consolida recursos, promovendo a biodiversidade e a regeneração do solo. Ele é capaz de produzir mais solo fértil em um ano do que a natureza levaria séculos para fazer. A agrofloresta é uma fábrica de solo e vida, criando condições para uma sociedade mais sustentável e saudável. Enquanto a monocultura consome mais recursos do que deixa, a agrofloresta trabalha em harmonia com a natureza, restaurando o que foi destruído.

RS – Como você tem implementado a agrofloresta na sua comunidade?
AG – Estou há cerca de 5 anos em Monte Alverne, no Sertão do Cariri, uma região que ainda tem muitos agricultores. Tenho trabalhado com eles, formando equipes e
desenvolvendo ações em outros quintais. Não é fácil, pois a região carece de recursos, água e mercado para insumos, mas estamos avançando aos poucos. Estou mostrando para a vizinhança o valor da agrofloresta, e cada vez mais pessoas estão se interessando em aprender e praticar esse sistema.

RS – Quais são as suas expectativas para o futuro da agrofloresta no Brasil?
AG – Eu acredito que a agrofloresta tem o potencial de transformar o Brasil. Estamos crescendo, expandindo nossas práticas e alcançando mais pessoas a cada dia. A
mudança climática é uma realidade, e a instabilidade econômica está aumentando. A agrofloresta pode ser a chave para revitalizar as áreas degradadas, criar abundância e, sobretudo, humanizar a sociedade. O que fazemos hoje determinará o que deixaremos para as futuras gerações. Precisamos de uma ação urgente para restabelecer a vida nas áreas que destruímos, e a agrooresta é o caminho para isso.


RS – Para encerrar, que mensagem você gostaria de deixar para aqueles que trabalham com a terra?
AG – Minha mensagem é simples: procurem não degradar mais do que já está degradado. Conflitar com o meio ambiente é prejudicial para todos. Quanto mais
veneno se joga, mais se degrada o solo, a água, o ar e o alimento. Trabalhem com a agrofloresta, pois ela oferece uma forma mais sustentável, barata e eficiente de
produção. O que se ganha com a monocultura não cobre os danos que ela causa. Precisamos pensar no futuro e na preservação dos recursos que ainda restam. A
agrofloresta é uma chave para abrir a porta à reconexão do ser humano com a natureza.


A Carroça de Mamulengos surgiu em Brasília, em 1977, pelas mãos do bonequeiro Carlos Gomide. Em 1982, a companhia ganhou a presença da atriz Schirley P. França, formando, assim, a família Gomide França. O casal teve oito filhos: Maria, Antônio, Francisco, João, os gêmeos Pedro e Matheus, e as gêmeas Isabel e Luzia. Cada um nasceu em um local diferente, refletindo a vida itinerante da trupe.


Atualmente, a Carroça de Mamulengos é composta por três gerações de artistas, incluindo brincantes, atores, músicos, bonequeiros, contadores de histórias, palhaços e arte-educadores. Levaram suas produções a diversos espaços, como palcos, escolas, praças e ruas, sempre celebrando a arte viva e a riqueza dos saberes populares, enaltecendo a simplicidade do povo brasileiro.

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